03/03/2017

Tema da CF 2017 trata da defesa da vida e os biomas brasileiros

Por Frederico Santana Rick*

O tema da Campanha da Fraternidade em 2017 é “Biomas brasileiros e defesa da vida”, e o lema “Cultivar e guardar a criação”. Reforçando a presença de um assunto que vem tendo bastante espaço na agenda da Igreja Católica e ganhou mais peso com Papa Francisco, a começar pela escolha de seu nome que faz referência ao santo amante das criaturas, uma das personalidades mais queridas dentro e fora da Igreja Católica. Apesar do Papa Francisco simbolizar um ponto culminante do tema, a preocupação não é nova para a CF. Ainda em 1979 a CF teve como tema “Por um mundo mais humano” e o lema: “Preserve o que é de todos”, tendo nas décadas seguintes dedicado a temas como terra, água, povos indígenas, negros, Amazônia, aquecimento global, saneamento básico dentre outros.

Iniciada em 1963, a iniciativa dos bispos do Brasil através da CNBB se insere no espírito de compromisso social e renovação do Concílio Vaticano II em curso naquele momento. Desde então, é oportunidade frutífera de diálogo não só entre a comunidade cristã, mas com toda sociedade sobre temas de grande relevância. Para os católicos a iniciativa anual acontece principalmente em um dos momentos mais fortes da vida cristã que é a Quaresma, um período de conversão e fortalecimento do compromisso com Jesus Cristo, com o Reino de Justiça, com a conversão pessoal, comunitária e da sociedade. É auspicioso que a Igreja Católica preencha esse momento de tanta intensidade e simbologia com uma iniciativa de viés transformador, o que nos deve servir de estímulo na realização de iniciativas que animem a Campanha da Fraternidade.

O texto-base da CF 2017 apresenta uma leitura eclesial, social, política e econômica dos Biomas brasileiros, destacando caminhos para construção de uma cultura de fraternidade e justiça, denunciando violações de direitos, a exclusão e o desrespeito a vida por parte do capital. A CNBB não se furtou de abordar temas que envolvem grande enfrentamento, principalmente sobre o modelo de desenvolvimento, principal ameaça aos biomas.

A CF 2017 destaca as particularidades geográficas e históricas de cada um dos seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa, dando especial acento a presença e a defesa dos povos originais de cada um desses territórios como ribeirinhos, quilombolas, indígenas e camponeses, etc. O que é sempre muito instigante das campanhas da fraternidade é a oportunidade para os cristãos de tomarem conhecimento sobre realidades que dizem respeito diretamente a suas vidas e são desconhecidas pela ampla maioria das pessoas. É o caso dos biomas brasileiros que conhecemos de maneira superficial e estigmatizada.

Ao estudarmos o bioma Amazônia, por exemplo, ficamos sabendo que ele é o maior do Brasil abrangendo 61% do território nacional, 5.217.423 km2 distribuídos em nove estados. Suas fronteiras atingem ainda Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Suriname, Guianas Francesa e Inglesa. Com equilíbrio frágil e bastante sensível à ação humana, a Amazônia está severamente ameaçada pelo desmatamento, pela pecuária, pela monocultura do pasto, da soja, do milho, do sorgo e do pinus. A fronteira agrícola se expande ano a ano a medida que exauri os solos. A maior bacia hidrográfica do mundo com 6 milhões de km2 e 1.100 afluentes, com 175 milhões de litros d´água lançados ao mar por segundo, está com sua existência ameaçada por corporações do Brasil e do mundo.

Indústrias dos mais diversos ramos têm interesse na Amazônica: fármacos, água, essências, minérios, madeireiras, serrarias, agronegócio, dentre outras. A Amazônia possui ainda um rio tão volumoso quanto o de superfície debaixo do solo, o aquífero Alter do Chão, que é bastante cobiçado pelos interesses econômicos. Da mesma forma um rio aéreo gigantesco produzido pela evapotranspiração abastece de água o Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. A Amazônia estará no centro de questões ambientais de impacto mundial que afetarão a humanidade nas próximas décadas.

Esta interdependência ilustrada pelo papel da Amazônia no ciclo das águas de todo o país e sua importância para o mundo é bem ilustrativa das inquietações que a CF nos apresenta. As ameaças ao maior bioma brasileiro são bastante significativas do que ocorre com os demais biomas, todos eles afetados severamente pelo modelo de desenvolvimento. Assistimos a expansão pecuária e das monoculturas do agronegócio no Cerrado, na Caatinga, na Mata Atlântica e nos demais biomas. Temos a ocorrência em quase todos eles de ameaças às nascentes e ao curso dos rios pela atividade mineradora, pelo cultivo em grande escala de eucalipto, pinus e outras plantas desertificantes. Os lençóis freáticos e as águas em geral estão gravemente contaminadas pelos agrotóxicos, que em algumas regiões inteiras e em diversos municípios, chegam a elevar em muito os índices de câncer, abortos, suicídios, enfisemas pulmonares, deformações entre outras doenças associadas ao uso de agrotóxicos por pulverização aérea e na água. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo o que afeta diretamente a saúde de todos os brasileiros.

Os compromissos governamentais e da iniciativa privada com iniciativas de preservação ambiental soam paliativos muito pouco eficazes diante da orientação geral econômica que promove seu inverso. Por outro lado, no enfrentamento a esse modelo que desconsidera o aprendizado do povo brasileiro dessas regiões, adaptado a esses contextos e produtor de tecnologias locais de convívio com esses biomas, surgiram muitas experiências ricas de sentido emancipatório.

Há hoje uma enormidade de movimentos populares, associações, pastorais e iniciativas envolvidas na construção de outro modo de se relacionar com essas distintas realidades brasileiras, que são efetivamente empecilhos à destruição do que resta destes biomas. Essas experiências populares, pastorais e cidadãs são hoje alicerce para a ecologia integral proposta por Papa Francisco em sua encíclica Laudato Sí. O pontífice tem sido muito preciso e contundente sobre essas questões, como quando inquirido em audiência geral em 5 de junho de 2013, deu como resposta à origem dos problemas ambientais: “O que domina são as dinâmicas de uma economia e de uma finança carente de ética. O que manda hoje não é o homem, é o dinheiro, o dinheiro manda. E Deus, nosso Pai, deu a tarefa de guardar a terra não para o dinheiro, mas para nós: aos homens e às mulheres, nós temos essa tarefa”.

A questão ambiental nesta perspectiva da ecologia integral do Papa Francisco se apresenta para nós como a ponta de um iceberg bem maior e monstruoso que é o próprio sistema capitalista e neoliberal. Defender a natureza, os biomas, e garantir os direitos dos povos sobre as riquezas e o território envolve uma reorientação gigantesca de projeto de sociedade, que por sua vez passa por redirecionamento das ações do Estado. Como fazer isso? O projeto popular defendido pela CNBB em âmbito nacional, e construído por agentes pastorais e de movimentos populares vive momento de resistência, frente à ofensiva do programa neoliberal, que terá como consequência agravar a situação ambiental. Legislações já estão sendo alteradas com o objetivo de facilitar a expansão do agronegócio e os interesses das mineradoras e madeireiras sobre os territórios. Tem sido marca do governo não eleito de Michel Temer a entrega de nossas riquezas, como é o caso do pré-sal e das propostas de alteração da Lei de Terras, permitindo a apropriação das terras brasileiras por estrangeiros.

Aprendizados para superação do projeto de morte e defesa de um projeto de vida, popular, vem da experiência e testemunho de tantos profetas do povo brasileiro como Irmã Dorothy, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno e Alvimar da CPT MG, para ficar apenas com uns poucos de milhares, filhos das lutas pelos biomas brasileiros e seus povos. É irmanado nesses milhares de lutadores e lutadoras do povo que cada qual deve assumir sua parte na defesa dos Biomas e da vida. Que saibamos aproveitar dessa oportunidade que é a Campanha da Fraternidade para nos comprometer pessoal e comunitariamente com gestos concretos que contribuam para reorientar nossa sociedade na perspectiva de um projeto popular ancorado no desenvolvimento, na sustentabilidade, na democracia, na soberania, no feminismo e na solidariedade.

*Frederico Santana Rick é sociólogo e coordenador de políticas sociais do Vicariato Social e Político da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Fonte: Site Dom Total

Por: PASCOM Diocesana( Pastoral da Comunicação da Diocese de Bom Jesus do Gurgueia)